terça-feira, 26 de abril de 2016
Lições de cidadania
Os cenários não são inspiradores quando se constata a violência crescente na sociedade brasileira. São números de uma nação em guerra. Também é aflitivo o aumento do desemprego e não menos desoladora é a sensação que nasce a partir de uma pergunta ainda sem resposta: como vai ser o desfecho de toda essa situação política e econômica que caracteriza o atual momento do Brasil? Esse sentimento de desolação torna-se mais forte diante da espetacularização do que se passa no recôndito do parlamento. Nesse âmbito, o que se verifica são manifestações sem qualquer ordenamento, comparáveis às que ocorrem nos estádios esportivos. Os estádios são o lugar de entusiasmadas manifestações, da informalidade, local de explosões de alegrias e de conquistas, diante de um adversário que apenas é o outro time, derrotado naquela oportunidade, mas que pode reverter o placar em partida que ocorrerá pouco tempo depois. Já o parlamento exige conduta diferente, pois é âmbito que reúne os representantes da sociedade. Nas ruas, a população deu lições a esses representantes, quando fez vir à tona traços qualitativos de civilidade e de nobreza, no uso do sagrado direito de divergir, mantendo a urbanidade.
O povo indicou para os que estão no exercício do poder a necessidade de atitudes bem diferentes das que se restringem aos gestos, palavras e posturas de intolerância e de acirradas disputas, fora do território da nobreza que configura a autêntica cidadania. A população pede mudanças urgentes e respostas novas com incidência nas dinâmicas, funcionamentos e rumos da sociedade, particularmente no âmbito da economia e da política. As manifestações nas ruas apontam a inépcia dos que governam. São o grito que pede aos que detêm poder novas posturas, marcadas pela nobreza de ocupar lugares e postos exclusivamente para promover o bem comum. Não há espaço para interesses mesquinhos e partidários, que alimentam a corrupção e a insensibilidade.
A pluralidade das manifestações do povo brasileiro nas ruas, domingo passado, é broto de esperança na recuperação e na consolidação de uma cidadania que pode reverter os quadros deprimentes das crises instauradas. No contexto da atitude tolerante e respeitosa entre diferentes estão, incontestavelmente, hospedados outros valores e princípios que precisam vir mais à tona, ocupando os espaços da consciência para alicerçar condutas que façam jus à história e à índole do povo brasileiro. Essa luz no fim do túnel exige das classes dirigentes, dos formadores de opinião, dos detentores de poder na economia e na intelectualidade, posturas corajosas, marcadas pela generosidade e capacidade para o diálogo.
O povo não quer espetáculos nas suas casas de representação, mas seriedade, inteligência e urbanidade. A população não busca “salvadores da pátria”, mas representantes que, na luta de cada dia, se empenhem para fazer o bem, sem manipulações. A lição dada pelo povo nas ruas, para além de qualquer romantismo, comprova o poder transformador do desejo de se fazer o bem. Que a presença cidadã do povo nas ruas, augurada como atitude permanente na travessia crítica desse momento político, mexa no mais fundo da consciência de todos, particularmente dos representantes e servidores do povo. Isso certamente ajudará a dissipar truculências, arbitrariedades, autoritarismos e desavergonhadas defesas de atitudes que estão na contramão da verdade, do bem e da justiça.
Continue o povo a cultivar e a testemunhar lições de cidadania, mesmo em momentos mais críticos e tensos, para inspirar e exigir dos que são seus representantes no exercício do poder a se fazerem eternamente aprendizes. E que a classe política não deixe secar a fonte da sabedoria que faz a vida ter sentido – ela deve ser vivida como oportunidade para servir o outro, não a interesses próprios ou partidários. Sejam os representantes do povo aprendizes para buscar o bem comum, caminho de reconstrução da cidadania.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Matéria retirada do site:
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